sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Perto do coração selvagem

Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.
Clarice Lispector

Frágil – você tem tanta vontade de chorar, tanta vontade de ir embora. Para que o protejam, para que sintam falta. Tanta vontade de viajar para bem longe, romper todos os laços, sem deixar endereço. Um dia mandará um cartão-postal de algum lugar improvável. Bali, Madagascar, Sumatra. Escreverá: penso em você. Deve ser bonito, mesmo melancólico, alguém que se foi pensar em você num lugar improvável como esse. Você se comove com o que não acontece, você sente frio e medo. Parado atrás da vidraça, olhando a chuva que, aos poucos começa a passar.
Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Só enquanto eu respirar vou lembrar de você...


"O dia mente a cor da noite
E o diamante a cor dos olhos
Os olhos mentem dia e noite a dor da gente
Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete
a cena se inverte
enchendo a minha alma
d'aquilo que outrora eu deixei de acreditar
tua palavra, tua história tua verdade
fazendo escola e tua ausência
fazendo silêncio em todo lugar
metade de mim agora é assim
de um lado a poesia o verbo a saudade
do outro a luta, a força e a coragem pra chegar
no fim o fim é belo incerto...
depende de como você vê o novo,
o credo, a fé que você deposita em você e só
...Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você"
Essa poesia linda é a letra da música O anjo mais velho, do grupo Teatro Mágico... fui assistir o espetáculo deles e me encantei, pela beleza, pela leveza, pela poesia, pela ousadia do show. Poético e crítico... apaixonado e apaixonante...

Parabéns Fabro... Jabuti em casa!!!


"Abandonar o paraíso é a única forma de não esquecê-lo". Fabricio Carpinejar
Que delícia de crônica... que adorável CA-NA-LHA... adooro!
"É um defeito, mas nada mais delicioso do que ouvir de uma mulher: "CANALHA!"Ser chamado de "canalha" por uma voz feminina é o domingo da língua portuguesa. O som reboa redondo. Os lábios da palavra são carnudos. Vontade de morder com os ouvidos. Aproximar-se da porta e apanhar a respiração do quarto pela fechadura.Canalha, definitivo como um estampido, como um tapa.Não ser chamado de canalha pela maldade, mas por mérito da malícia, como virtude da insinuação, pelo atrevimento sugestivo.Não o canalha canalha, mas o ca-na-lha, sem repetição. Único.Não o canalha que deixa a mulher; o canalha que permanece junto. O canalha adorável que ultrapassou o sinal vermelho para levá-la. O canalha que é rude, nunca por falta de educação, para acentuar a violência do amor. Canalha por opção, não devido a uma infelicidade e limitação intelectual. Canalha em nome da inteligência do corpo.O canalha. Como um elogio. Um elogio para dizer que é impossível domesticar esse homem, é impossível conter, é impossível fugir dele. Canalha como pós-graduação do "sem-vergonha".Bem diferente de crápula, que não é sensual e define o mau-caratismo indelével, ou de cafajeste, alguém que não presta nem para ser canalha, de índole egoísta e aproveitadora.Eu me arrepio ao escutar canalha. Um canalha que significa o contrário do dicionário. Nem perca tempo consultando o Aurélio e o Houaiss, que não incluem o sentimento da pronúncia. Estou falando do canalha que suscita aproximação, abraço, desejo. Um canalha que é um pedido de casamento entre as vogais.É pelas expressões que se define a segurança masculina. Sempre duvidei de homem que diz que vai fazer xixi. Xixi é coisa de criança. Eu não represo a gargalhada quando um amigo adulto e de vida feita comenta que vai fazer xixi. Imagino o cara sentado. Infantil como Ivo viu a uva. Já urinar é muito laboratorial. Prefiro mijar, direto, rápido e verdadeiro. As árvores mijam. Os relâmpagos mijam. Os cachorros mijam para demarcar seu território. Aliás, o correto é não anunciar, ir ao banheiro apenas, para evitar constrangimentos vocabulares.Canalha funciona como uma agressão íntima. Uma agressão afetuosa. Uma provocação. Não se está concluindo, é uma pergunta. Canalha é uma interrogação gostosa.Não ficarei triste se você esquecer meu nome, chame-me de canalha."
Crônica extraída do Livro Canalha, premiado com o Jabuti/2009